sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Marmelada



“Fecho os olhos e quase sinto aquele cheiro delicioso de infância

No fogo de chão, preparado no terreiro, a marmelada era feita em um imenso tacho de ferro

Uma senhora gorda de avental, cabelos grisalhos presos num coque, mexia o doce com uma enorme colher de pau que parecia até um remo de barco
 
Volta e meia ela tirava do bolso do avental um lenço branco, e secava o suor que brotava na testa por causa do vapor que subia da panela
O que pensaria enquanto preparava aquela verdadeira relíquia que encheria muitas latas, que seriam distribuídas entre filhos, netos, sobrinhos, amigos
Sentada à sombra de uma árvore eu a observava de longe
Como aquela cena era distante da minha realidade, pensava
E como ela tinha uma ligação tão próxima da minha origem
O que estaria pensando enquanto fazia aqueles movimentos vigorosos, mas ao mesmo tempo suaves e ritmados?
Eu não soube... Nunca saberei
Porque nunca me aproximei para perguntar
Tiha medo de que a resposta destruísse as lendas que minha imaginação gostava de criar naqueles instantes
Assim, os pensamentos que povoavam a mente daquela velhinha continuavam pertencendo apenas a ela
Às vezes tenho a sensação de ela nunca os contaria, mesmo que indagassem
Para que os revelaria?
Alguém iria realizar seus sonhos?
 
Então, conformava-se em continuar ali, apenas mexendo aquele e muitos outros tachos
Não sonhava com ganhos já tarde demais para serem conquistados
Em silêncio, chorava suas saudades, lamentava suas perdas
Alimentava sua alma solitária, fechada em suas próprias lembranças  
Mas não se deprimia, sabia que mais tarde veria a mesa posta e a família reunida em volta dela
E não disfarçava o orgulho e prazer ao ver o produto do seu trabalho adoçar a vida dos entes queridos

Hoje ao recordar dessas passagens, consigo ver o quanto aquela mulher me ensinou
Não sei se ela percebia, mas, no fundo, palavras eram desnecessárias
A maior herança que ela poderia me deixar estava ali
Na sua coragem, vigor e força para encarar qualquer tarefa
Não importando o valor ou menosprezo que lhe dessem
O importante era não perder a doçura”




By Elena Corrêa
(Para minha vó Vuca)

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